domingo, 28 de março de 2010

LUIS ALVES DE MATTOS



LUIS ALVES DE MATTOS

APRENDIZAGEM

1. Em séculos pregressos predominava a noção simplista e errônea de que aprender era memorizar, a ponto do aluno poder repetir "ipsis verbis" os textos do compêndio ou as palavras do professor. Na base dêste falso pressuposto, ensinar era sinônimo de marcar e tomar lições decoradas aos alunos. Infelizmente, ainda há professores que se pautam por esta noção simplista e pré-científica do século XVI, mantendo-se num pequeno
atraso de 400 anos... Não será, certamente, com textos e frases decoradas que na vida resolveremos nossos problemas ou obteremos sucesso nos nossos empreendimentos; e já Sêneca dizia que aprendemos, não para a escola, mas para a vida; a simples memorização de textos e palavras não prepara ninguém para as realidades da vida e sua complexa problemática; não desenvolve a inteligência, não aguça o discernimento nem estimula a reflexão; forma, apenas, repetidores passivos.
2. A partir do século XVII predominou a fórmula de Comenius: "intellectus, memoria et usus": primeiro a compreensão reflexiva; depois, a memorização do compreendido; por fim, a aplicação do que já foi compreendido e memorizado. Na base destas novas premissas, o ensino passou a ser fortemente expositivo e explicativo, complementado por tomadas de lição e correção de exercícios de aplicação; impunha-se fazer os alunos compreenderem primeiro aquilo que teriam de aprender. Isso representou, na época, um progresso.
Mas, modernamente, verifica-se que a mera explanação verbal do professor não é tão essencial e indispensável para o aprender dos alunos; serve apenas para iniciar a aprendizagem, mas não para integra-la, levando-a a bom têrmo. Do fato de o professor ter explicado muito bem a matéria não se pode concluir que os alunos já aprenderam. Em centenas de escolas progressistas suprimiram-se por completo as aulas expositivas do professor, e, pelo estudo dirigido apenas, obteve-se maior rendimento da aprendizagem. .
A fórmula de Comenius pecava pelo secionamento do processo da aprendizagem em três etapas artificialmente separadas. De fato, a compreensão, a retenção mnemônica e a aplicação se fundem no mesmo processo unitário da experiência; compreende-se melhor uma cousa quando se experimenta e se lida diretamente com ela; a retenção mnemônica resulta natural e espontânea de tôda a experiência vivida intensamente.
Compreensão, memorização e aplicação não são fases distintas e sucessivas da experiência de aprendizagem; são antes aspectos integrantes da mesma experiência, quando esta se desenvolve num plano de autenticidade.
3. O processo de aprendizagem dos alunos, cujo planejamento, direção e contrôle cabem ao docente, é assaz complexo. Podemos apreender de relance um fato, uma reação, uma conseqüência ou um dado informativo isolado. Mas, a aprendizagem definitiva de um conjunto sistemático de conteúdos culturais, implícitos numa matéria de ensino, é um processo lento, gradual e complexo de assimilação.
Sintetizando e esquematizando para fins de estudo, podemos discernir nesse processo etapas bem definidas. Em tôda aprendizagem sistemática, o reagente humano:
(a) passa de um estado de sincretismo inicial, no qual abundam noções vagas, confusas e errôneas, flutuando sôbre um fundo indiferenciado de cândida ignorância e perplexidade, para...
(b) uma fase de focalização analítica, em que cada parte do todo é, por sua vez, examinada, identificada nos seus pormenores e nas suas particularidades. Alguns psicólogos e didatas designam esta fase de "diferenciação", de "discriminação" ou simplesmente de "análise"; esta fase de percepção analítica é essencial no processo da aprendizagem;
(c) uma fase de ativação, em que os dados passam a ser manipulados e utilizados em composições, exercícios, trabalhos práticos etc.;
(d) segue-se uma fase de síntese integradora, na qual os pormenores se estruturam em perspectivas da essencialidade, do relacionamento e da importância dos princípios, dados e fatos já analisados e manipulados, integrando-se num todo coerente de significados, de compreensões ou de habilitações. É a fase que os norte-americanos chamam de "integração" e outros de "síntese";
(e) didaticamente, seguir-se-á uma fase final de consolidação ou de fixação, na qual, por exercícios e repasses iterativos, o que foi aprendido analítica, ativa e sinteticamente, é ex professo reforçado ou fixado, de modo a tornar-se uma aquisição integrada e definitiva na mente do aluno.
4. Mas, o esquematismo lógico destas fases e de sua seqüência poderia levar-nos a uma noção errônea o processo da aprendizagem, como êle se opera na realidade das salas de aula. De fato, estas fases não são estanques; não há um momento preciso no qual podemos dizer que termina uma fase e começa outra. Na fase de focalização analítica já vão emergindo algumas sínteses integradoras, ainda parciais e incompletas; na fase de síntese integradora ainda podem emergir novas focalizações analíticas, que foram deixadas de lado na fase anterior, enquanto que a fase de consolidação ou fixação vem se processando, como uma corrente submersa, através de todo o processo, para entrar em pleno foco no final dêsse mesmo processo. Há entre essas fases repetidas superposições e retornos, num complexo encadeamento dinâmico de progressiva assimilação.
5. Mas, não se esgota com isso a relatividade do esquema que acima traçamos. Nossos alunos não são produtos padronizados e não reagem todos da mesma maneira e com o mesmo ritmo e intensidade. Há entre eles traços e diferenças individuais irredutíveis quanto ao seu nível de maturação, capacidade geral de apreensão, preparo escolar, aptidões específicas, domínio e compreensão do vocabulário, método e ritmo de trabalho, resistência à fadiga, sensibilidade, bem como quanto aos seus ideais, atitudes, preferências, motivação interior, mira prospectiva e nível de aspiração.
Identificar êstes traços e diferenças individuais, explorar suas possibilidades, suprir suas deficiências e, mesmo assim, enquadrar todos os alunos num plano de aprendizagem progressiva, dinâmica e eficaz, orientando, dirigindo e controlando o seu processamento em vista de objetivos social e profissionalmente valiosos, eis: o que é ensinar no seu mais autêntico sentido moderno.
6. A essência do "aprender" não está, portanto, em decorar mecânicamente textos de livros, nem em ouvir com atenção explanações verbais do mestre. Está, isso sim, na atividade mental intensiva e propositada a que os alunos são levados, no trato direto com os dados da matéria, visando a assimilar o seu conteúdo e os seus significados. Essa atividade mental intensiva e propositada dos alunos pode assumir as mais variadas formas, conforme a matéria em estudo e o método de trabalho empregado.
Os alunos estarão realmente aprendendo quando:
(a) fazem observações diretas de fatos, processos, filmes e demonstrações que lhe são apresentados;
(b) planejam e realizam experiências, formulam e testam hipóteses e anotam seus resultados;
(c) consultam livros, revistas, dicionários, em busca de fatos e de esclarecimentos; extraem notas, organizam fichários, quadros comparativos e tabelas;
(d) escutam, lêem, tomam notas, passam a limpo essas notas e as suplementam com extratos de outros autores, de outras fontes e com suas observações pessoais;
(e) apresentam dúvidas, pedem esclarecimentos, formulam objeções, discutem entre si, comparam e verificam, definem conceitos e firmam significados, manipulam símbolos;
(f) fazem exercícios de aplicação, composições e ensaios; concebem projetos e planos, estudam suas possibilidades e os executam; organizam relatórios, resumos e sinopses;
(g) colaboram com o professor e auxiliam-se mutuamente na execução de trabalhos, no esclarecimento das dúvidas e na solução dos problemas;
(h) realizam cálculos e aplicam tabelas; desenham e ilustram; transcrevem, reduzem ou ampliam a escala de mapas; preenchem e ilustram mapas mudos, compõem mapas originais, fazem repetidos exercícios etc.;
(i) procuram, colecionam, identificam, comparam e classificam amostras, espécimens, selos, gravuras, plantas, objetos, fotografias etc.;
(j) respondem a interrogatórios e a testes, procuram resolver problemas, identificam erros, corrigem seus próprios erros ou os de seus colegas etc. . .
Esta lista de atividades de aprendizagem longe está de ser completa; além destas, há muitas outras formas práticas que, combinadas, produzem os resultados desejados, pois que constituem autênticas experiências de aprendizagem. Tôda a aprendizagem é um processo eminentemente ativo e experiencial, cujos componentes são a atividade e a reflexão.
O denominador comum de tôdas essas formas práticas de aprendizagem é o caráter reflexivo e assimilativo dessas atividades, aplicadas aos dados da matéria, visando a metas definidas e a resultados concretos em cada. caso. A autêntica aprendizagem consiste exatamente nessas experiências concretas de trabalho reflexivo sôbre os fatos e valores da cultura e da vida, ampliando as possibilidades de compreensão e de interação do educando com o seu ambiente e com a sociedade.
7. Essas experiências de caráter ativo, reflexivo e propositado, quando prosseguidas sistematicamente, exercem uma forte influência dinamizadora sôbre a personalidade dos alunos, modificando substancialmente sua atitude e sua conduta anterior e promovendo a formação de novas atitudes e novas condutas, mais ajustadas e eficazes. Daí a tese corrente de que a aprendizagem consiste essencialmente na modificação do comportamento do aluno e no enriquecimento de sua personalidade. De fato, tôda a autêntica experiência reflexiva e propositada de aprendizagem deve objetivar concretamente êstes resultados:
(a) modificar a atitude e a conduta anterior do aluno;
(b) promover a formação de novas atitudes e novas condutas, mais esclarecidas, ajustadas e eficazes;
(c) enriquecer a personalidade do aluno com novos e melhores recursos de pensamento, de ação e de convívio social, abrindo-lhe novas perspectivas de cultura e de vida em sociedade.
Nisso está o verdadeiro valor educativo da aprendizagem escolar e sua razão de ser.
8. Muito longe estamos, portanto, do antigo conceito pré-científico de que os alunos aprendiam apenas ouvindo passivamente as explanações do mestre e decorando textualmente as lições do compêndio. O resultado disso só podia ser uma pseudo-aprendizagem de fórmulas verbais sem nexo ou confusamente repetidas pelos alunos, sem nenhum proveito real para a vida. Já Sêneca dizia na antiguidade: "Que loucura é dedicar-se a aprender coisas inúteis no meio da miséria dêstes tempos! . . ." Muito do que os alunos são obrigados a decorar nas nossas escolas pertence ao rol dessas coisas inúteis, que nada contribuem para o esclarecimento de suas condições de vida, para a melhoria da sua conduta ou para o enriquecimento de sua personalidade. (Sumário de didática geral)

quarta-feira, 24 de março de 2010

João Cabral de Melo Neto







João Cabral por João Cabral




MEDO DA MORTE: "Estava na casa de Rubem Braga de passagem pelo Rio, e foram lá umas moças fazer uma entrevista comigo. Eu então falei do meu pavor da morte. Aí, o Rubem Braga, que era um grande gozador, disse: ‘Você fala tanto de medo do inferno, que vão acabar criando um inferno só para você!’ Tenho medo da morte e do inferno, porque fui criado em colégio católico, com aquela mentalidade ainda antiga... Hoje, a Igreja parece estar mais liberal..."


DRUMMOND: "A poesia brasileira foi sempre preponderantemente lírica. Mesmo um poeta pouco lírico como Carlos Drummond de Andrade tem momentos de lirismo. Murilo Mendes era um lírico; Jorge de Lima era um lírico; Mario de Andrade era um lírico; Manuel Bandeira era um lírico. Drummond era o menos lírico, mas mesmo assim tem momentos de lirismo. Na literatura brasileira, Drummond foi meu grande mestre, com aquela poesia prosaica e direta. Só que ele de vez em quando caía na prosa discursiva. Eu nunca caí no discursivo. No Brasil se confunde muito poesia com lirismo. É herança dos portugueses, que são muito líricos. Mesmo Camões, um poeta épico, tem momentos de lirismo."

LIÇÃO DE TOUREIRO: "Quando fui à primeira corrida de touros, achei que não ia gostar, por causa desse negócio da morte. Mas o toureiro se expõe a tais perigos, que você acaba sentindo solidariedade. Manolete (Manuel Rodríguez Sánchez, que inventou um estilo econômico na tauromaquia) me ensinou muito em matéria de poesia, porque ele toureava de uma maneira essencial. Não dava um passo a mais. Ficava parado e o touro é que se desviava dele. O Cordobez (Manuel Benítez, El Cordobez, outro mito espanhol) tinha uma grande coragem, mas era muito espalhafatoso. Ele se ajoelhava na frente do touro e fazia essas coisas que entusiasmavam o povo, mas para os verdadeiros aficionados não surtia efeito. Manolete matou o touro que também o matou com uma única estocada, perfeita. Morreu porque para dar a estocada bem dada, você tem que se aproximar do touro e este o atingiu com o chifre direito, que rompeu a veia femoral. Tourear não é uma coisa para qualquer um. Tive um amigo que conheceu Manolete e lamentava por eu não ter sido apresentado a ele. Dizia que nunca tinha conhecido duas pessoas com tanta capacidade para se tornarem amigas como nós dois. E dizia que nossas personalidades eram tão parecidas que rimavam. Uma rima seca."

POESIA: "Poesia é conhecimento. Inspiração, encanto, não acredito em nada dessas coisas. Poesia é esforço, é consciência, é cultura. O sujeito não pode ser inteiramente inculto e sair escrevendo poesia, por mais inspirado que ele seja. O leitor procura sempre na poesia o gênero fácil. Quando ele encontra uma poesia que oferece alguma resistência, recua. Escrever para mim é uma coisa dificílima, porque eu não queria fazer esta poesia que todo mundo faz."

O POEMA, COMEÇO, MEIO E FIM: "A poesia vai se fazendo. Da primeira palavra à última, elas todas têm que ter um sentido. De forma que a primeira é tão difícil quanto a última. Sei quando é a última quando o poema ganha aquele corpo e eu vejo quando é o momento de concluir. Certos poemas contêm eles mesmos seu princípio e seu fim. Veja ‘O rio’ e ‘Morte e vida severina’. ‘O rio’ começa no sertão e acaba no Atlântico. Portanto, o fim dele não depende de mim. ‘Morte e vida severina’, também. O sujeito vem do sertão para Recife. O princípio já contém o fim."

FLAMENCO: "Uma vez eu estava num lugar de flamenco com uma bailarina sevilhana. Tinha um sujeito cantando e eu perguntei: ‘Te gusta este cantador?’ E ela: ‘No! No expone!’ Não se expõe, não faz o máximo. E o sevilhano quer sempre a coisa feita no máximo. Fazer no extremo, onde o risco começa."

VINICIUS DE MORAES: "Estava em Genebra e passou por lá o Vinicius de Moraes, que era muito meu amigo, e era um lírico. E Vinicius nesse tempo já estava fazendo música. O (diplomata) Alfredo Valadão organizou uma reunião na casa dele. Vinicius ia cantando e a filha do Valadão, Maria Lúcia, ia gravando. Ele cantava aquelas coisas... Bossa nova e tal, falando sempre de coração, né? No meio da gravação, se ouve minha voz, no fundo da sala, dizendo: ‘Vinicius, você não tem outra víscera para cantar?’ E ele respondeu: ‘Já vem você com seu racionalismo. Ainda hei de pôr música no ‘Poema da cabra’’. Mas ele não podia cumprir a promessa, né? E olha que ele gostava muito da minha poesia, me encorajava muito. E é um grande poeta. No fim da vida ele descambou para esse negócio de música popular por necessidade. Porque Vinicius casou muitas vezes, tinha tantas mulheres e tinha que dar pensão a todas elas. Entrou nesse negócio de música popular brasileira para ganhar dinheiro. Ele me chamava de ‘camarada diamante’ porque eu pregava uma coisa cartesiana e não caía nestas coisas de lirismo."

"LE CORBUSIANO": "Não acredito em inspiração. Nisso, sou ‘Le Corbusiano’. Acredito em trabalho. Agora, viajar, claro, abre horizontes. Se não tivesse sido diplomata, faria uma poesia completamente diferente. Pernambuco, por exemplo, eu comecei a escrever sobre Pernambuco depois que saí de lá. Este recuo é necessário. De longe, você vai lembrando de sua vida, da paisagem e consegue ver o que dá poesia."

ESCREVER SOBRE PERNAMBUCO: "Meus primeiros livros não falam em Pernambuco. Depois fui para Barcelona onde escrevi ‘Psicologia da composição’ e ‘A fábula de Anfion’, certo de que não queria escrever mais. Ler para mim era muito mais agradável do que escrever. Um dia eu cheguei no consulado e descobri na revista ‘O Observador Econômico e Financeiro’ que a expectativa de vida na Índia era de 29 anos e no Recife era de 28. E fiquei tão impressionado que escrevi ‘O cão sem plumas’, que é o meu primeiro livro sobre Pernambuco. Aí Pernambuco não me largou mais."

MÚSICA: "Eu ouço bem, mas não presto muita atenção a nada do que ouço. Só presto atenção lendo, olhando. Por isso a pintura e a arquitetura tiveram uma grande influência sobre mim, e a música não teve."

A CRÍTICA E O DESEJO DE SER CRÍTICO: "Minha poesia é uma poesia difícil, de forma que muitas vezes o crítico se serve dela para brilhar. Queria ser crítico na adolescência, mas vi que não tinha experiência nem cultura para isso."